segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Firmeza no garrão

Firmeza no garrão
Informa um dito popular gaúcho que devemos ter "firmeza no garrão", ou seja, jamais esmorecer, se entregar, afrouxar o "garrão", que na construção da expressão regionalista, significa o cavaleiro fazer o cavalo andar ou disparar com a firme pressão do toque de seus calcanhares próximos às virilhas do animal.

O simbolismo da expressão gaúcha revela na figura do cavalo, a vida que devemos tocar pra frente com a firmeza necessária. Mas para tal, precisamos acreditar em valores que herdamos de nossos pais associado ao que construímos com a experiência acumulada de muitas vidas do espírito imortal.

A nossa história pessoal é a história da humanidade, como registra o historiador Evaldo Munhoz Braz em "O gaúcho e sua origem", referindo-se à importância de cultivarmos as nossas raízes ancestrais como forma de identificação a valores culturais de determinada região ou de um povo: No mundo inteiro, incluindo sobremaneira Europa e Estados Unidos, festas regionais reforçam suas certezas sobre suas origens, como comportar-se frente a adversidade e planejar o futuro. Saberem quem são. Este é o sentido de conhecer-se o passado. Afinal, é tão grave esquecer-se no passado como esquecer o passado. Nos dois casos desaparece a possibilidade de história...

Portanto, cultivar valores culturais, morais e éticos transmitidos ou conquistados com as vivências, é de suma importância para aquele que deseja crescer tanto no sentido material quanto no sentido espiritual, como afirma o cantor e compositor Luiz Marenco em uma de suas letras: É por isso que sempre canto minha terra, minhas verdades, minha gente. Meu canto é assim e só sei cantar desse jeito. Acredito que esse é o rumo, e sigo firmando o garrão pelas coisas que penso...

Somente nos sentimos seguros e confiantes quando estamos com os pés fincados na Mãe-Terra e a imaginação a viajar livre pelo universo, como faziam os grandes filósofos da antiguidade e ainda fazem os atuais pensadores e espiritualistas.

O indivíduo vive melhor quando possui valores internalizados, pois são os valores humanos que nos aproximam uns dos outros. Quando falta essa qualidade de relação típicamente humana, nos tornamos indivíduos com tendência ao isolamento e à depressão.

Jaime Caetano Braum, compositor e payador gaúcho, retrata em "Mateando", o sentimento de quem avança na idade, sem, no entanto, "afrouxar o garrão" na condução da própria vida: Não é que falte fibra, nem firmeza no garrão, pois meu coração bem compassado ainda vibra...

Alguns ditos populares, sem dúvida, são enriquecidos de vida, humanidade, história e sabedoria, e não devemos nos sentir "além" deles no sentido do conhecimento adquirido, porque sentir-se "acima" nos afasta de nós mesmos, do outrem e de nossa história temporariamente inserida na história regional, e definitivamente inserida na história da humanidade.

Somos um todo, é claro, mas obviamente temos que ter a clareza de que também somos uma unidade em busca de afirmação enquanto seres humanos em processo de aprendizagem pelo planeta Terra ou em outros mundos habitados por espíritos inteligentes.

Ter "firmeza no garrão" para tocar a vida pelo caminho da autoconfiança é o que precisamos como base de uma rota segura nos campos da vida atual e futura. Por termos "afrouxado o garrão" no passado remoto, padecemos hoje de vicissitudes que limitam a percepção de autoconhecimento e atrasam o nosso processo evolutivo.

Independentemente de nossa região de origem ou de onde tivermos fixado residência no planeta, os valores que levamos conosco devem, em parte, relacionar-se à cultura e às tradições do nosso povo. Caso contrário, nos sentiremos como uma planta com as suas raízes debilmente fixadas no solo.

Muitos casos de depressão causados pelo processo de somatização, representam um quadro clínico em que o indivíduo encontra-se "desconectado" de suas raízes culturais e/ou familiares, ou seja, ele não internalizou valores suficientes para sentir-se um "cavaleiro com firmeza no garrão".

No sentido simbólico, tocar a vida com desenvoltura exige do "cavaleiro" uma maestria que se adquire com a persistência de jamais "afrouxar o garrão na montaria", como observou o francês Dreys durante a sua passagem entre 1817 e 1825 pelo Rio Grande do Sul: Todos os exercícios de manejo e picaria dos mestres de equitação da Europa são familiares ao gaúcho, e alguns dos exercícios mais difíceis são mesmo entre eles divertimentos de crianças...

Quando conquistarmos a sabedoria de levar a vida com equilíbrio entre a firmeza, a sensibilidade e o lúdico, seremos exímios cavaleiros a caminho da felicidade no UNO, como registra Almir Sater em sua linda canção "Tocando em frente": Cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz.