domingo, 28 de fevereiro de 2010

O ego no palco da vida

O ego no palco da vida


Sigmund Freud salientou a importante relação existente entre o comportamento de um ser humano adulto e certos episódios de sua infância, mas resolveu preencher o considerável hiato entre causa e efeito com atividades ou estados do aparelho mental. Desejos conscientes ou inconscientes ou emoções no adulto representam esses episódios passados e são considerados como responsáveis diretos de seu efeito sobre o comportamento.

No entanto, na visão interdimensional, trazemos de outras vivências traços de caráter que revelam-se no dia a dia da vivência atual, onde o "eu" é a marca registrada que define o indivíduo como sendo um conjunto que reune caráter e personalidade na (inter)ação comportamental. E na relação psíquica que diariamente expressa-se na forma de atitudes, conduta, escolhas, lúcidas e importantes decisões, ou simplesmente atos impensados e até irresponsáveis, o ser vive mais ou menos consciente. Tudo depende do conjunto de valores que moldam o seu caráter, formam a sua personalidade e, como decorrência, influenciam o seu comportamento social.

Portanto, o ego freudiano que é a forma como o indivíduo relaciona-se consigo mesmo e com o mundo à sua volta, significa também o conteúdo psíquico-espiritual que em essência representa a sua identidade sem máscaras, ou seja, a sua verdade sem subterfúgios e transparentemente revelada ao universo.

Nessa contextualização observada através de uma ótica mais ampla do ser, o ego insere-se na vida com uma bagagem e, ao mesmo tempo, com um permanente desafio pela frente: o desafio da mudança, da evolução consciencial mesmo diante de uma realidade dimensional repleta de sedutoras armadilhas psicológicas.

Nas origens da psicanálise, a maior preocupação de Freud ao denominar as instâncias da personalidade, foi estabelecer através da técnica psicanalítica uma forma de trazer para o foco da autopercepção, da lucidez e do centramento baseado no senso de realidade, o ego que encontra-se desarmonizado. E essa técnica é válida até hoje como básica, já que a dimensão da materialidade em que nos encontramos é uma certeza, e sendo assim, não pode ser subestimada ou negligenciada enquanto proposta terapêutica, porque o ego também representa a forma como o espírito sente-se "enraizado" nesse contexto transitório, porém palpável e real, chamado realidade física. Sendo, por esse motivo, responsável pelas manifestações humanas de equilíbrio e de desequilíbrio. Em suma: é o mal e o bem internalizados que por intermédio de mecanismos psíquico-espirituais direcionam o comportamento humano.

Por isso, a existência entre nós, da tirania e da benevolência, do egoísmo e do sentimento de amor ao próximo, do orgulho e da simplicidade. Extremos humanos que caracterizam e definem o perfil psico-espiritual do indivíduo inserido em sua longa história de vivências em que o ego tem sido sempre o principal personagem no palco da vida.

O ego, portanto, não deve ser subestimado na investigação do inconsciente humano, pois expressa a síntese do que somos na relação do que viemos sendo. O que deve mudar é a visão de sua contextualização, uma vez que a abrangência de sua análise transcende ao nível dimensional do "aqui-agora" e passa ao âmbito multidimensional com relações que representam a sua natureza interdimensional de múltiplas vivências.

Sabemos que quanto mais evoluimos espiritualmente, mais desapegamos do ego. Porém, esse processo é lento e requer do indivíduo mudanças de atitudes perante a vida, onde a consciência torna-se o instrumento responsável pelo desafio de desbravar o difícil caminho do autoconhecimento que o levará em algum momento de sua existência, a desatar os nós que históricamente o mantém preso às armadilhas do inconsciente.

Psicanalista Clínico e Interdimensional.
www.flaviobastos.com